quarta-feira, 13 de abril de 2011

Bruxaria: O que você é afinal?

Peguei-me pensando nisto e lembrei que há um conflito em nosso meio sobre a bruxaria ser uma religião ou um ofício, e, quando ofício, se ela é uma religiosidade ou estritamente uma prática - que se reverte em fé não por ela mesma, mas em virtude de seus praticantes.

Eu já tive as mais extensas dúvidas quando comecei, hoje, encontrei argumentos que me satisfazem para definir a bruxaria como um ofício que atrai para si uma religiosidade. Gostaria de conversar sobre isso com quem concorda e com quem discorda, pois não vim ensinar, mas apenas falar sobre como vejo e sinto algo que pratico e amo.

A primeira coisa que pensei nos momentos de reflexão foi deveras banal, mas ao mesmo tempo muito significativo para guiar minha mente a uma visão maior do todo. Eu pensava: “bruxos fazem o que?”, “bruxarias...” era a única resposta que vinha de imediato, assim não conseguia deixar de fazer comparações: “padeiros, fazem pão”, “sapateiros fazem sapatos”, “marceneiros fazem móveis” e assim sucessivamente. É como se houvesse uma linha tênue entre todos os ofícios/trabalhos/profissões e aquilo que a bruxaria é.

Ora vejam vocês, o que a bruxa é senão uma servidora da humanidade! Ela é chamada para predizer o futuro, para curar uma doença, para dar fertilidade a um casal, para tirar ou pôr uma maldição, para abençoar um recém nascido ou um campo recém plantado, é ela quem canta para os espíritos maus e os afasta ou os atrai para a cidade, é ela quem dá o tônico para o homem cansado, que ensina a jovem a arrumar um bom marido, que cura a praga nos campos, que dá o veneno para a futura viúva rica, enfim, é a criatura que permeia a sociedade dando aquilo que ela precisa para satisfazer seus desejos - uns nobres, outros nem tanto.

As bruxas têm suas ferramentas de trabalho, seus métodos, técnicas e suas habilidades individuais. Não existe uma bruxa igual à outra. E não estou falando no sentido de “todas as pessoas são diferentes”, mas no sentido de que cada bruxa trabalha, vê e sente a bruxaria ao seu modo e este quando é compartilhado, o é somente entre iguais; irmãos de um mesmo clã, membros de uma mesma família.

É nesse contexto que vejo lógica em dizer que mesmo diferentes, no fim, todas as bruxas também são iguais. Iguais porque todas acessam uma mesma ferramenta mãe, uma mesma sabedoria que é do mundo e vive nele. Essa “interface”, fazendo uma comparação Nerd, é como um site que gera informações e recursos, nós, os bruxos, acessamos esse site com objetivos diferentes, buscamos um núcleo diferente de informações e recursos, e cada qual faz isso de um lugar diferente, com uma máquina equipada com ferramentas diferentes. Percebem a graça e a lógica da comparação? E por sinal eu poderia dizer também que nem todos conhecem o endereço do site ou sabem como chegar nele.

Em nenhum momento na história da bruxaria pré-década de 60[1], para falar da bruxa era preciso primeiro definir deuses ou cultos que elas prestassem, pelo contrário, primeiro se dizia o que a bruxa fazia, o que ela usava, o poder que ela tinha, para depois tentar entender de onde tudo isso vinha (e aqui entram as mais alucinantes explicações, dentre as quais a demonização). É ai que reside a maior diferença: bruxas não eram sacerdotisas de nenhuma religião, mas apenas mulheres que seguiam suas próprias crenças que muitas vezes sequer correspondiam às dos templos e igrejas[2].

Certa vez um amigo que havia acabado de ler as refutadas teses de Margareth Murray[3] comentou comigo: “Talvez se ela tivesse sacado que a própria bruxaria é a ‘grande mãe’ de todas as ações das bruxas ela tivesse como explicar melhor as coisas”. Isso me fez sorrir por dias. Antes de procurar uma divindade, seja de qual povo for, seja de qual religião for, a bruxa já havia feito por si mesma aquilo que precisava ser feito e quando era preciso ir além de seus domínios normalmente não era ela que prestava o culto e acessava a divindade, era o sacerdote ou um espírito familiar que ela escolhia como intercessor.

Com isso eu quero dizer que bruxas não acreditam em divindades e nem as cultuam? Não! Nada disso. O que eu estou dizendo é que para elas os deuses eram um acréscimo ao seu poder, não uma exigência. Elas não precisavam aprender a serem sacerdotisas de uma divindade ou guardar um fogo sagrado em um templo para benzer ou amaldiçoar, para transformar o mundo a sua volta. O que quer que seja a bruxaria que elas praticavam e praticam, não aprenderam isso em cursos, igrejas ou templos, mas na terra, na mata, no sangue e na própria vida.

Como exigir que uma bruxa seja aquilo que você acha que ela deve ser? Como escolher a virgem que vai oracular ou ser sacrificada entre as bruxas? Como mandá-las vestir-se de uma única cor ou forma? Como dizer onde elas podem ou não permanecer? O que elas podem ou não fazer? Bruxas são seres indomados, livres, donos de si, elas não se submetem a ninguém, algumas vezes nem a elas mesmas. São elas que decidem a hora de cada ação, não o governo ou a população local, não há uma comunidade de bruxas, mas somente bruxas e no máximo seu clã, sua família. Em que quer que elas acreditem, ou seja, as religiosidades que possuem, estas não se baseiam em conformidades sociais, mais em vivência espiritual em sua mais elevada potência.

Talvez eu pareça insano ao enxergar assim, mas dentro de mim ressoa uma certeza que me faz rir quando alguém diz que é possível definir a bruxaria completamente, dizer quem é ou não uma bruxa, estipular o certo e o errado para as suas práticas ou dar a elas qualquer organização baseada nas ambições humanas. E o melhor de tudo, uma religião, além de ser recheada dessas questões tem ainda aquele velho papel de “re-ligar”, e eu pergunto: Uma bruxa precisa se religar a que ou quem, se todas as ligações provêm do ofício que ela é mãe e senhora?

Já dizia uma amiga:

Religião é para quem tem medo do inferno; Religiosidade é para quem já esteve lá”. [4]

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[1] Toda generalização peca, não estou fora disso, mas antes da bruxaria ser taxada como uma religião e claro isto não ocorreu somente a partir da década de 60, mas antes com Leland, James Frazer e cia. o que eu quis definir ali é que a real propagação da bruxaria enquanto religião surgiu na Inglaterra encabeçada principalmente por Gerald B. Gardner e seus seguidores. Antes, bruxas eram reconhecidas por suas práticas, seus costumes, não suas crenças, estas, quando existiam vinham sempre como complemento e não como fator principal para que fossem consideradas bruxas. "O Martelo das Feiticeiras" deixa isso claro.
[2] Exceções existem e precisam sempre serem lembradas, haviam bruxas e bruxos dentro da própria Igreja, bispos, padres, freiras e etc. foram condenados por bruxaria, assim como em tempos mais longínquos sacerdotes e sacerdotisas de fés antigas também o foram, mas isto, bruxaria e sacerdócio intrínsecos nunca foi um fator de destaque antes do surgimento da Wicca.
[3] Seus livros: O Culto das Bruxas na Europa Ocidental (de 1921) e O Deus das Feiticeiras (de 1933) apesar de muito lidos e tidos como importantes para os bruxos modernos sempre sofreram represálias acadêmicas pela falta de consistência histórica.
[4] http://www.oamorcomecaaqui.com/

8 comentários:

  1. Cara gostei MUITO do seu texto!
    Eu estava mesmo precisando ler algo assim para desencanar de um monte de exigências do meio e das minhas próprias. Se você não se importar, gostaria de repassá-lo no meu blog, com o devido respeito aos seus direitos autorais e o link do seu blog para o acesso deste e de outros textos seus. Excelente o seu trabalho. Débora.

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  2. Pode postar Débora, desde que faça as devidas referências. Mas acho legal te avisar que muito provavelmente seus leitores vão resmungar. ;) No mais, fico feliz que minhas loucuras lhe trouxeram mais sobriedade...rs

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  3. Ok Ágatho...os leitores afins com certeza não irão resmungar mas sim se inebriar com a tua clareza ao expor uma questão tão complexa. Gratidão por me permitir compartilhar.
    Bênçãos...Deluah°

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  4. A bruxa nunca esteve desligada/desconectada de sua fonte espiritual, por isso ela mesma não precisa do re-ligare para nada. Religião limita e prende pessoas. As bruxas as libertam.

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  5. Ágatho sinto que ganhei um colega escritor à altura (e você só está se aquecendo!!!). Adorei sua clareza: você realmente se preocupou em comunicar sua idéia, de forma direta e focada. A estrutura e tamanho do texto estão precisamente deliciosos, e o conteúdo, indiscutivelmente preciso e elegante. Parabéns mais uma vez!!! Bênçãos e Maldições, sempre! Katy

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  6. A Bruxaria é um ofício que exige ou atrai uma religiosidade per se... Disse tudo! Ótimo texto, Agatho.

    Blessings

    Odir.

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  7. Querida, quando poderemos contar com mais uma destas lindas pérolas? Estou sentindo saudades de seus textos.

    Um grande abraço,

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  8. Bellíssimo texto, descreves muito bem e de maneira clara o que é a bruxaria. Tentar definir a bruxaria completamente seria a mesma coisa que tentar definir cultura. Rs, uma espécie de missão impossível.

    Devo dizer também que ler seu texto me trouxe novas percepções. ^^

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