quarta-feira, 4 de julho de 2012

Onde está o paganismo?

- Eu sou pagão!
[Falou um rapaz pela internet... vive em um apartamento no centro da grande São Paulo e o mais próximo que chegou de uma "floresta" foi o Ibirapuera, onde gosta de ler]

- E eu digo que você não é, pois não tem nenhum contato com o campo! Eu, ao contrário, sou!
[Falou um rapaz pela internet... vive no interior urbanizado do Rio de Janeiro, é vegetariano e faz trilhas periódicas]

Com quem você concorda meu ilustre leitor? Pois eu não faço ideia de qual dos dois é ou não pagão, já que nenhuma das informações dadas foi suficiente para chegar a essa conclusão. A única coisa que eu sei é que ambos tentam ser algo que o outro não é, seja por conflitos sócio-culturais (campo x metrópole / RJ x SP / onívoro x vegetariano), seja por pura birra. "Birra", gíria que fala muito sobre o comportamento da dita sociedade pagã, sempre temos alvos de fofocas, risos e esculhambações. O tal fulano que não sabe o que fala, pois nós sabemos. Se identificou? Eu também.

....

O termo paganismo sofre com apropriações, atualmente é um conceito abrangente para designar religiões com cultos voltados à natureza, independente das disparidades. O "ser pagão" é um título e uma bandeira a ser defendida em oposição a qualquer coisa não pagã, mesmo que o próprio pagão não saiba se definir muito bem e precise criar neologismos do tipo "neopagão". Já era difícil compreender como ser o pagão antigo, imagine ser o novo. Dizem que o paganismo é um ressurgimento de antigas fés destruídas com o advento do Cristianismo, o que imputa aos "novos pagãos" um revanchismo idiota.

Eu sou da escola que define ao homem que a fé é uma manifestação da alma, não dos grupos sociais aos quais ele pertence. Que - ser ou não algo - não depende de como os outros te enxergam, mas de como você enxerga a si. E se o paganismo for uma definição como o nome sugere; para o homem que vive do campo, que tem como sangue a própria terra, então não é o grupo ou a religião a qual pertença que ditará se é ou não pagão, mas sua essência, como se sente quando pisa no solo, como vê os seres a sua volta, o que enxerga ao se olhar no espelho e principalmente de quem se sente filho-irmão.

Dizem que paganismo é o oposto de cristianismo, ora o cristianismo é a crença em cristo, crer em cristo já lhe torna cristão, mesmo que você não siga nada do que é imposto por pastores, rabinos ou padres. Uma senhora cristã que mora numa vila do interior, que planta, colhe, cura com suas ervas (que sempre brotam mesmo nos piores tempos devido a sua "mão boa"), aquela velha que salva uma planta conversando, que alimenta bichos selvagens como se fossem dóceis, que sabe se vai chover ao olhar para o céu e que respeita a floresta à noite, pois sabe que espíritos rondam o lugar, não é pagã só porque crê em cristo? Esse também não é um deus antigo de tribos nômades e rurais? E um rapaz que só anda de carro, só come coisas industrializadas, se diverte no aconchego do seu quarto jogando vídeo games e que fica se coçando inteiro se for em qualquer jardim é pagão só porque é membro de uma religião que cultua deuses de povos anteriores ao cristianismo? Tem alguma coisa estranha nisso.

Ao mesmo tempo me questiono: Só é pagão quem vive no campo? Ou o respeito e amor pela natureza como um todo, seja ela de barro ou de cimento, de carne ou de casca, é um fator importante? Nosso comportamento em relação ao meio em que vivemos, a percepção dos seres a nossa volta e o modo como levamos nossa vida não são importantes para definir quem somos? O gêmeo José que mora no campo deixa de ser irmão do gêmeo Antônio que mora na cidade? O Paganismo é algo assim tão banal que sirva apenas para limitar, desagregar e afastar pessoas através do "ser ou não isso ou aquilo"? Existem metas a atingir para ser mais pagão que alguém? Ou o amor pelo próprio planeta enxergando-o como um ser vivo, o respeito pelos animais (humanos incluídos) e a aceitação de existência do mundo espiritual já não são suficientes e tonam todos pagãos em igualdade?

Eu tenho que ter uma religião para ser pagão?
Eu tenho que viver no campo para ser pagão?
Eu tenho que negar as vantagens da tecnologia para ser pagão?
Eu tenho que caçar meu próprio alimento para ser pagão?
Eu tenho que conhecer e saber mexer com plantas para ser pagão?
Eu tenho que me vestir como um Hippie para ser pagão?
Eu tenho que ser politeísta para ser pagão?
Eu tenho que ser vegetariano para ser pagão?

E se eu não "tiver" uma ou outra dessas eu sou menos pagão que alguém? Eu tenho que CRER em algo ou eu tenho que SER algo? São minhas atitudes ou minhas ideologias que me tornam pagão? Podem parecer perguntas bobas, talvez sejam, mas elas tem rondado minha mente nos últimos tempos, principalmente porque tem gente que diz que para ser bruxo tem que ser pagão, quando eu defenderia que um bruxo ser pagão faz sentido, mas não exclui outras possibilidades. Vou continuar pensando...

...

- Amo e respeito minha própria natureza e toda aquela que encontro a minha volta, seja de barro ou cimento. Não se trata de um título ou uma bandeira que eu levanto, não se trata de fé, mas de algo que não pode ser retirado de mim, é minha essência, meu próprio sangue. Se eu sou pagão? Não importa, não preciso de definições para ser o que sou.




2 comentários:

  1. Perfeita reflexão. Acho que já é hora de colocarmos em xeque essas disparidades paganismoXcristianismo e começarmos a pensar em uma relação horizontal (e não vertical) de paganismo-cristianismo. Aliás, melhor ainda, irmos além desses dois termos.

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    1. Concordo meu amigo, e ando pensando muito nisso ultimamente, uma forma de abordar a questão indo além dos conflitos e conceituações de certo e errado. O mundo, nossas necessidades e vivencias mudaram, precisamos dar espaço a novas reflexões e alcançar um entendimento maior sobre o que nos cerca.

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