Somos
indivíduos que trabalham com bruxaria, por possuirmos um dom que nos colocou a
adquirir habilidades para fazê-lo e assim dar explicações e funções satisfatórias
às nossas indagações cotidianas. A bruxaria é intrínseca à humanidade e aqueles
que são bruxos reconhecem a si e aos demais sem que seja preciso uma única
palavra. Muitos desejam pertencer à bruxaria pela ideia ilusória de poder e
diferenciação social que ela carrega, muitos acreditam sinceramente pertencer,
mas se enganam.
Interagimos
com forças ocultas (da natureza, do cosmos e de tudo que existe) e as
representamos e reconhecemos por diferentes formas, símbolos e nomes - de
acordo com o entendimento e vivências tidas com elas. Bruxas recebem faculdades
dessas forças, compreendem seu valor e as preservam, transmitindo-as somente
àqueles que demonstram merecê-las.
Vivemos
à margem de tudo, não pela exclusão, mas pela possibilidade de observar dentro
e fora da bolha. Agimos conforme nossas necessidades e objetivos assumindo a
responsabilidade pelas mudanças causadas. Evitamos danificar os ciclos para não
prejudicarmos nosso equilíbrio e bem estar, mas não somos bons nem maus,
caridosos nem egoístas, agimos conforme o peso que podemos suportar por aquilo
que desejamos fazer e por aquilo que devemos fazer.
Aqueles
que se negam a agir (praticar magia) pela incapacidade de lidar com
consequências, são fracos demais para lidar com as responsabilidades que nos
são atribuídas e aqueles que agem sem controle tendem a se auto-sabotar de tal
forma que um dia nada mais terão que suas pilhagens financeiras e emocionais
sem nenhum valor.
Um
antigo ditado diz que: “uma bruxa reconhece um homem aleijado deitado e um cego
dormindo”, não porque ela possui superpoderes ou porque tenha algo que a
coloque de fora daquele ambiente, pelo contrário, sua marca está na unidade,
não na diferença. Ela pertence àquele lugar, ele e tudo que nele se encontra
fazem parte dela, são ela. Este é o dom que lhe permite ver, ouvir e saber de
tudo antes mesmo que algo aconteça. É sendo parte do objeto, dividindo com ele a
mesma alma, que ela se torna capaz de mudá-lo e direcioná-lo para onde quiser.
Nem
todos têm ou terão esse dom manifesto ao longo de suas vidas (mesmo que o
busquem), mas quando ele se manifesta não importa seu gênero, sua idade, classe
social ou origem. Não funciona como um interruptor que se possa ligar ou
desligar, uma vez ligado nem mesmo a morte destruirá isso. Ter o dom para
bruxaria não lhe torna capaz de exercê-la, é preciso primeiro adquirir
conhecimento e poder; o conhecimento se encontra na natureza, nos livros, nos
demais irmãos de arte e em si mesmo; já o poder só poder ser adquirido através
daquele que o possua, pois sua preservação dentro e apenas dentro de outro é o
que lhe concede forma possível para ser transmitido.
Não
podemos suportar um raio divino em nossas cabeças, mas podemos suportar um elo
formado com nossos irmãos de caminhada. E assim, quando nosso dom permite o
recebimento do poder, nos iluminamos de tal forma que passamos a ser Um com o
Todo, despertamos para novas percepções e possibilidades na vida, somos capazes
de moldá-la a nossa vontade, nos tornarmos verdadeiramente bruxos.
Quando
cavalgamos para o sabá - um lugar de encontro, aprendizado e contemplação das
bruxas; honramos as forças, dançamos e falamos com elas, e em meio a transes e
sons, visões e insights; invertemos papéis, nos tornamos as próprias forças
mexendo nas engrenagens do mundo, do nosso mundo e dos mundos daqueles que ali
estão. E assim retornamos mais fortes e revigorados para continuarmos em nosso
ofício tendo partilhado tudo que possuíamos e recebido de volta tudo que
suportávamos carregar.
É por isso que bruxos
são tão representados com animais, embrenhados na mata ou em atos destoantes da
ortodoxia social (dançando pelados na luz do luar), nós honramos e nos sintonizamos
com as forças onde quer que elas estejam, e normalmente são nos corpos e
ambientes indomáveis onde elas se manifestam.