domingo, 3 de abril de 2011

Uma mente sã, em um mundo insano.

Eu percebi que o mundo era vivo ao olhar a morte.

Em um dia feio, nublado, poluído e chato, eu peguei um engarrafamento daqueles em que você não sabe se passa por cima do carro da frente ou torce para alguém passar por cima de você... Em uma determinada hora o transito não andou devagar, ele parou, era como se estivéssemos parados em um enorme estacionamento, enquanto alguns desligavam o carro para economizar combustível (ou só de raiva) outros enlouqueciam e buzinavam insistentemente, talvez torcendo para que as ondas sonoras irritantes das buzinas desintegrassem os carros da frente, vai entender.

Eu desisti, desliguei o carro, abri as janelas e fui olhar a paisagem como quem olha uma parede - empolgação ao quadrado -, de um lado a Baía de Guanabara, que se comparada a um valão consegue ser mais suja, do outro uma fábrica velha, abandonada, tomada por um capim alienígena de uns 5m, as paredes caindo ao sopro do vento, as janelas destruídas visivelmente por pedras muito bem arremessadas pelas crianças dali. Nunca soube era uma fábrica de que, mas lembro ter visto algo brilhando no meio do mato e sai do carro para olhar melhor, não era ouro, infelizmente, era uma calota que pelo brilho devia ou ter saído enquanto o carro estava em movimento, ou ter sido esquecida ali durante algum desmanche.

Do meu lado direito vinha um cheiro desagradável de animal morto, quando olhei era um gato, já devia estar ali a bastante tempo só sobrava a carcaça. Perto tinha bastante lixo revirado (algum cachorro a procura de um banquete?), tudo isso não mudou meu humor, nem para melhor nem para a pior, eu simplesmente andava indiferente sonhando em algum dia nessa encarnação voltar para casa. Mas o transito continuava parado, eles podiam ao menos andar alguns centímetros só para me dar esperança?

Enquanto voltava pro carro ouvi um passarinho cantar e olhei para ver o que esse infeliz estava fazendo voando por um lugar tão decadente, pássaros são abençoados, eles podem simplesmente voar pelo mundo e escolher o lugar que quiserem para viver. Este, definitivamente, era burro. Havia feito seu ninho em um buraco no meio de uma torre da fábrica, pelo negrume da parede deveria ser uma chaminé, e o passarinho estava lá não sei se falando comigo, chamando alguém ou simplesmente reclamando do barulho das buzinas. Foi ali, enquanto eu o observava que algo aconteceu comigo...

Eu ouvia ele cantar, ouvia as buzinas, as conversas, as reclamações, ouvia também o vento em queda de braço com o capim, as ondas da Baía tentando continuar seu ritmo, mesmo em meio as sujeiras e lodo. Comecei a ouvir meu coração batendo dentro da minha cabeça e de repente os cheiros do lugar se tornaram mais nítidos, haviam outros cheiros que eu não havia percebido, uma mangueira velha e descascada, mas ainda cheia de vida amadurava suas frutas que serviam de alimento para pássarinhos e morcegos, na margem da Baía havia uma velha de cócoras quebrando alguma coisa, acho que conchas e o cheiro salgado do mar inundava aquele ambiente, também senti o cheiro de um biscoito de queijo que algumas crianças comiam fazendo festa no carro ao lado do meu.

Tudo isso aconteceu tão rápido que eu precisei me mover, esticar o rosto, afinal podia estar tendo algum acesso devido ao stress daquele ambiente. Era melhor que não tivesse feito isso, eu senti o vento frio que vinha do mar, o calor que vinha dos carros e uma brisa que vinha do meio dos matos voando a minha volta. Me peguei pensando em como seria aquele lugar no passado, quando a fábrica funcionava, aquela terra não havia sido abduzida pelo capim e a colônia de pescadores ficava abarrotada de peixes saudáveis, vindos de um mar azul.

Quando ninguém jogava lixo ali, aquele gato estava vivo passeando pelo lugar e dando sustos por sair correndo de onde menos se esperava, quando aquela rua era de barro e não haviam carros engarrafados buzinando e azucrinando os moradores a volta. Talvez as pessoas atravessassem de cavalos, com aqueles garotos apostando corridas e se divertindo tanto que esqueciam de verificar quem ganhou. Um lugar em que um passarinho pudesse morar com sua família sem ser taxado de maluco... é talvez aquele pássaro conhecesse a história do lugar, talvez em sua mente ele pudesse interpretar todos esses cheiros e sons, todas essas cores e histórias como algo bom, talvez o lugar já estava tão destruído que não houvessem mais predadores/destruidores por ali e enfim aquele lugar tenha se tornado pacífico pra ele.

As flores que saíam do meio dos escombros, que nasciam de frestas nas paredes sujas estavam mostrando exatamente isso, que ainda haviam razões para chamar aquele lugar de lar e que não importava como ele estava, ele ainda podia ser o que já foi um dia... Quando entrei no carro e comecei a andar a passos de tartaruga olhei para trás e agora o pássaro já não cantava mais, pode finalmente descansar sem saber que ele havia me ensinado algo muito importante:

Há vida em tudo, há beleza em tudo, tudo tem sua história, sua memória e seu valor, basta que tenhamos olhos para ver além de nossas ilusões cotidianas.

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