quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O que é ser bruxa


Somos indivíduos que trabalham com bruxaria, por possuirmos um dom que nos colocou a adquirir habilidades para fazê-lo e assim dar explicações e funções satisfatórias às nossas indagações cotidianas. A bruxaria é intrínseca à humanidade e aqueles que são bruxos reconhecem a si e aos demais sem que seja preciso uma única palavra. Muitos desejam pertencer à bruxaria pela ideia ilusória de poder e diferenciação social que ela carrega, muitos acreditam sinceramente pertencer, mas se enganam.
Interagimos com forças ocultas (da natureza, do cosmos e de tudo que existe) e as representamos e reconhecemos por diferentes formas, símbolos e nomes - de acordo com o entendimento e vivências tidas com elas. Bruxas recebem faculdades dessas forças, compreendem seu valor e as preservam, transmitindo-as somente àqueles que demonstram merecê-las.
Vivemos à margem de tudo, não pela exclusão, mas pela possibilidade de observar dentro e fora da bolha. Agimos conforme nossas necessidades e objetivos assumindo a responsabilidade pelas mudanças causadas. Evitamos danificar os ciclos para não prejudicarmos nosso equilíbrio e bem estar, mas não somos bons nem maus, caridosos nem egoístas, agimos conforme o peso que podemos suportar por aquilo que desejamos fazer e por aquilo que devemos fazer.
Aqueles que se negam a agir (praticar magia) pela incapacidade de lidar com consequências, são fracos demais para lidar com as responsabilidades que nos são atribuídas e aqueles que agem sem controle tendem a se auto-sabotar de tal forma que um dia nada mais terão que suas pilhagens financeiras e emocionais sem nenhum valor.
Um antigo ditado diz que: “uma bruxa reconhece um homem aleijado deitado e um cego dormindo”, não porque ela possui superpoderes ou porque tenha algo que a coloque de fora daquele ambiente, pelo contrário, sua marca está na unidade, não na diferença. Ela pertence àquele lugar, ele e tudo que nele se encontra fazem parte dela, são ela. Este é o dom que lhe permite ver, ouvir e saber de tudo antes mesmo que algo aconteça. É sendo parte do objeto, dividindo com ele a mesma alma, que ela se torna capaz de mudá-lo e direcioná-lo para onde quiser.
Nem todos têm ou terão esse dom manifesto ao longo de suas vidas (mesmo que o busquem), mas quando ele se manifesta não importa seu gênero, sua idade, classe social ou origem. Não funciona como um interruptor que se possa ligar ou desligar, uma vez ligado nem mesmo a morte destruirá isso. Ter o dom para bruxaria não lhe torna capaz de exercê-la, é preciso primeiro adquirir conhecimento e poder; o conhecimento se encontra na natureza, nos livros, nos demais irmãos de arte e em si mesmo; já o poder só poder ser adquirido através daquele que o possua, pois sua preservação dentro e apenas dentro de outro é o que lhe concede forma possível para ser transmitido.
Não podemos suportar um raio divino em nossas cabeças, mas podemos suportar um elo formado com nossos irmãos de caminhada. E assim, quando nosso dom permite o recebimento do poder, nos iluminamos de tal forma que passamos a ser Um com o Todo, despertamos para novas percepções e possibilidades na vida, somos capazes de moldá-la a nossa vontade, nos tornarmos verdadeiramente bruxos.
Quando cavalgamos para o sabá - um lugar de encontro, aprendizado e contemplação das bruxas; honramos as forças, dançamos e falamos com elas, e em meio a transes e sons, visões e insights; invertemos papéis, nos tornamos as próprias forças mexendo nas engrenagens do mundo, do nosso mundo e dos mundos daqueles que ali estão. E assim retornamos mais fortes e revigorados para continuarmos em nosso ofício tendo partilhado tudo que possuíamos e recebido de volta tudo que suportávamos carregar.
       É por isso que bruxos são tão representados com animais, embrenhados na mata ou em atos destoantes da ortodoxia social (dançando pelados na luz do luar), nós honramos e nos sintonizamos com as forças onde quer que elas estejam, e normalmente são nos corpos e ambientes indomáveis onde elas se manifestam.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Iniciação vertical como soma à horizontal - Introdução.

"A observação é ferramenta da inspiração".

Há milhares de anos, desde que os bruxos são bruxos(sic), temos a fabulosa polêmica sobre iniciações, auto-inciações, iniciações verticais e qualquer outro termo que eu desconheça, mas que deve existir. Pretendo falar primeiro sobre essa questão na Wicca, uma religião moderna vinculada ao que chamam de neopaganismo (por mim só paganismo está de bom tamanho) e baseada no quesito práticas e escopo na bruxaria européia. Falarei sobre, por ela ser muitas vezes confundida com "A Bruxaria" (enquanto conceito único e abrangente), como se a Wicca fosse capaz de significar sozinha o que esta vem a ser e assim gerar grande confusão na mente dos buscadores.

Na Wicca a ideia de "iniciação solitária" surgiu com Raymond Buckland¹ um iniciado Gardneriano (H.P. Lady Owen em 1963) que ao retornar para os EUA se viu frente a dificuldade de formar e disseminar covens. Não compreendo por quais motivos ele precisava fazê-lo e a mim não cabe julgar tal coisa, mas o que se tornou visível é que a partir do momento em que ele passou a vender livros que continham a ideia de "bruxaria faça você mesmo" - não importa quem você é, onde vive, se possui ou não alguém para estudar e praticar junto, basta que suas intenções sejam boas e seu desejo real e você poderá se tornar bruxo, se iniciar por si mesmo e virar sacerdote² da religião, as questões sociais e organizacionais não importam, - Buckland vendeu muito mais livros do que pela lógica venderia sem a abertura gerada, ganhou notoriedade e inspirou outros a fazer o mesmo, perpetuando por todo o globo a ideia da iniciação pessoal ou como chamam no Brasil: auto-iniciação.

Atualmente existe uma rixa enorme entre iniciados formais e auto-iniciados, os primeiros consideram que sem um treinamento efetivo em um grupo, seguindo os ensinamentos do BOS de Gardner e os acréscimos em estudos e práticas vindos das linhagens de covens de origem gardneriana³ muito se perde em qualidade, mudança interna requeria e capacidade de acesso. Isso torna também a religião aberta a qualquer tipo de invencionice, uma vez que sem qualquer limite quanto a quem ingressar, o que e como praticar não há como formar critérios sobre o que faz parte ou não das práticas, crenças e organização da Wicca. Daí termos hoje    verdadeiras saladas místicas, bizarrices das mais inconcebíveis com adeptos que se definem sacerdotes, cobram por cursos rasos e grotescos, iniciações em praça pública e um incontável número de ofensas àqueles que desde Gardner tentaram dar corpo a religião.

Os auto-iniciados também tem voz e muitas vezes argumentos cabíveis nessa briga, afirmam que o grande número de escritos, eventos, fóruns internacionais, videos e imagens existentes permitem aos verdadeiros interessados aprender de forma coerente o que vem a ser a Wicca, suas práticas, suas crenças, sua organização. E disto o culto pessoal leva-os a adquirir ao longo dos anos e junto aos deuses e espíritos acesso e poder para seguir na religião como adeptos genuínos tanto quanto quaisquer outros. Que eles, os que seguem a coisa direito, se empenham e são de fato buscadores, não podem ser taxados em virtude de outros que se aproveitam dessa abertura para fazer bobagens.

Não sei se é realmente preciso se posicionar a favor ou contra da auto-iniciação como muitos fazem, pra mim a melhor alternativa é somar, somar conhecimento e percepções acerca do assunto e deixar todo esse bando de conceituações de "certo e errado" de lado, pois só servem para gerar dor de cabeça e levantar palcos para guerras egoicas e fúteis. Entretanto, sem dúvida, muito ainda precisa ser dito sobre o que vem a ser a "Iniciação", tarefa hercúlea por se tratar de algo mistérico e íntimo, mas que visivelmente não é claro para muitos e precisa ser abordado. Falarei portanto sobre iniciação vertical e horizontal e como estas se complementam, não se excluem nem são suficientes por si só, assim, talvez, parte da confusão possa ser esclarecida.


"Quando em um debate só se escutam gritos e xingamentos é porque nenhuma das partes sabe do que está falando, tentam vencer pela força, não pelos argumentos".


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¹. Raymond Buckland, para saber mais sobre o autor acesse: http://pt.wikipedia.org/wiki/Raymond_Buckland
². Sacerdote, conceito inexistente na bruxaria, pertencente a wicca a partir do momento em que começou a se organizar como religião.
³. Covens de origem Gardneriana, há neste link (http://www.thewica.co.uk/wica/wica.htm) uma árvore das principais linhagens.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A Relevância de Encontros Públicos.

Eventos Públicos: tema da semana entre a chamada "comunidade neopagã brasileira", críticas a esmo foram feitas a reuniões públicas e gratuitas que há anos se perpetuam ao redor do mundo com o objetivo de agregar pessoas para assistir palestras, danças, exposições de utensílios, artesanatos e outras coisas ligadas a esse grupo social. Essas críticas que não partem só de um individuo, mas vem ao longo dos anos se amontoando, não foram bem recebidas dessa vez, pois apelou-se ao se generalizar dizendo que frequentadores costumam usar drogas, que são em sua maioria desempregados (cade fonte do IBGE?rs) ou ainda que há um risco enorme para a vida ao frequentar tais atividades. Essa acidez desproporcional levou a uma união jamais vista entre instituições pagãs tupiniquins que fizeram a cena política, criaram uma carta de repúdio e estão discutindo o assunto nas redes sociais, principalmente porque o "acusador" é uma figura já conhecida no meio que vem criticando e defendendo suas verdades sem dialogar com ninguém e com argumentos tidos por muitos como fracos.

Eu não tenho nada a ver com isso, mas achei interessante comentar que há crítica, há reclamação quanto a crítica, mas não há esclarecimentos ou informações sobre atitudes a serem tomadas para evitar todo esse desgaste. Como bom observador há muitos anos tenho frequentado eventos (pagos e gratuitos) ligados as diversas vertentes religiosas neopagãs, bem como em todos aqueles que se propõem debater sobre bruxaria ou ao menos Wicca. Poderia tecer por horas críticas a todos eles, mas vou me ater a soluções e opiniões do porque são interessantes e o que alguém que nunca participou deve esperar, pois considero isso mais útil.

Hoje no Brasil existem grupos já consolidados no ramo dessas atividades (a maioria assinou a tal nota), qualquer busca simples pode levá-lo aos sites e representantes deles. Esses eventos quando gratuitos costumam ser feitos em parques, praças públicas e praias, ambientes comuns frequentados por todo cidadão. E quando pagos costumam ocorrer em hotéis, sítios/chácaras, ou residência dos organizadores. Envolvem principalmente palestras e debates. As figuras mais notórias como escritores, profissionais holísticos,  líderes de tradições, sacerdotes e professores são convidados a participar/palestrar gratuitamente ou pagando e assim fazem, alguns motivados pelo evento em si, já que ele permite conhecer pessoas, ensinar e agregar seu grupo religioso; outros vão para divulgar seus livros, eventos, escolas, lojas e etc.; e alguns (os mais curiosos) vão para chamar atenção para si e seus grupos na tentativa de adquirir adeptos, uma forma de alimentar nosso bom e velho ego.

Seja pago ou gratuito o evento contará com participantes e palestrantes dos mais variados, cada um com suas próprias razões para estar ali. O que torna possível a qualidade destes eventos é a escolha dos locais mais seguros e cômodos, bem como das pessoas reconhecidamente mais honestas para debater, mas dificilmente isso ocorrerá sem intempéries todas as vezes, afinal falamos de eventos mensais que ocorrem há anos. Não se assuste se ouvir pessoas defendendo bobagens em suas exposições ou ainda se topar com um individuo estranho vestido a la Harry Potter. Tenha bom senso e humor, isso acontece! Por melhor que seja a organização, não dá para controlar tudo. Você pode evitar dores de cabeça maiores pesquisando sobre o evento, seus palestrantes, seus organizadores, olhando as fotos das reuniões anteriores, falando pela web com frequentadores e preferencialmente indo acompanhado, até porque se não gostar basta sair e ir tomar uma cerveja com o amigo para não dar viagem perdida.

Se você é menor recomendo sumariamente que leve seus pais ou algum responsável mais velho, muitos desses eventos deixam essa necessidade explícita nas regras, mas outros não. E por melhor que seja a sua pesquisa nunca é bom ir a um lugar com pessoas desconhecidas sozinho, prevenção nunca é demais. E porque você iria a um evento desses? As razões são variadas: para aprender mais sobre um tema que é discutido, conhecer outras pessoas que acreditam nas mesmas coisas que você, pegar um autografo do seu escritor predileto, comprar ferramentas que não acha na loja da esquina ou simplesmente para ter uma forma de lazer junto a outros membros da sua comunidade religiosa. Opa! Não posso esquecer! Você também pode ir para aprender a cantar e dançar musiquinhas típicas, receber conselhos (alguns bizarros, mas o que vale é a intenção), tirar dúvidas e ganhar brindes de comidas e bebidas diferentes como hidromel (é gostoso).

Se no fim das contas você achar que não valeu a pena, experimente ser uma pessoa legal e converse com os organizadores, diga porque não gostou e dê sugestões ligadas ao que você esperava ver. Criticar é fácil demais, ajudar a melhorar as coisas ou pelo menos respeitar quem gosta dessas interações é que mostra seu caráter e responsabilidade frente a sua fé. Outra coisa importante é observar como as pessoas se comportam, pois se você for virar frequentador agindo assim pode perceber ao lado de quem você não deve sentar. Eu, por exemplo, fujo das chaminés (fumantes), dos grupinhos adolescentes (porque dão gargalhadas a toa, tem espasmos e me assustam) e dos fofoqueiros (porque não me deixam ouvir nada de tanto que falam). Apesar que esses últimos se você estiver interessado em notícias quanto a quem anda namorando ou brigando com quem eles vão ser praticamente um Google ambulante.

Recomendo a participação para tirar suas próprias conclusões, nunca tive problemas tirando os comentários já feitos, nunca vi nada que colocasse minha vida em risco ou que me causasse qualquer problema, aprendi bastante e, principalmente, me diverti muito saindo da frente do computador para celebrar minhas crenças. Se um dia ver atos ilícitos ou perceber algum perigo nessas reuniões, lembre-se de ser cidadão e avisar as autoridades e também avisar os organizadores (caso eles não sejam os envolvidos), os amigos e os demais grupos sobre esse em específico. Assim será possível melhorar essas atividades que fazem parte de qualquer comunidade, porque não faria da neopagã?

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Onde está o paganismo?

- Eu sou pagão!
[Falou um rapaz pela internet... vive em um apartamento no centro da grande São Paulo e o mais próximo que chegou de uma "floresta" foi o Ibirapuera, onde gosta de ler]

- E eu digo que você não é, pois não tem nenhum contato com o campo! Eu, ao contrário, sou!
[Falou um rapaz pela internet... vive no interior urbanizado do Rio de Janeiro, é vegetariano e faz trilhas periódicas]

Com quem você concorda meu ilustre leitor? Pois eu não faço ideia de qual dos dois é ou não pagão, já que nenhuma das informações dadas foi suficiente para chegar a essa conclusão. A única coisa que eu sei é que ambos tentam ser algo que o outro não é, seja por conflitos sócio-culturais (campo x metrópole / RJ x SP / onívoro x vegetariano), seja por pura birra. "Birra", gíria que fala muito sobre o comportamento da dita sociedade pagã, sempre temos alvos de fofocas, risos e esculhambações. O tal fulano que não sabe o que fala, pois nós sabemos. Se identificou? Eu também.

....

O termo paganismo sofre com apropriações, atualmente é um conceito abrangente para designar religiões com cultos voltados à natureza, independente das disparidades. O "ser pagão" é um título e uma bandeira a ser defendida em oposição a qualquer coisa não pagã, mesmo que o próprio pagão não saiba se definir muito bem e precise criar neologismos do tipo "neopagão". Já era difícil compreender como ser o pagão antigo, imagine ser o novo. Dizem que o paganismo é um ressurgimento de antigas fés destruídas com o advento do Cristianismo, o que imputa aos "novos pagãos" um revanchismo idiota.

Eu sou da escola que define ao homem que a fé é uma manifestação da alma, não dos grupos sociais aos quais ele pertence. Que - ser ou não algo - não depende de como os outros te enxergam, mas de como você enxerga a si. E se o paganismo for uma definição como o nome sugere; para o homem que vive do campo, que tem como sangue a própria terra, então não é o grupo ou a religião a qual pertença que ditará se é ou não pagão, mas sua essência, como se sente quando pisa no solo, como vê os seres a sua volta, o que enxerga ao se olhar no espelho e principalmente de quem se sente filho-irmão.

Dizem que paganismo é o oposto de cristianismo, ora o cristianismo é a crença em cristo, crer em cristo já lhe torna cristão, mesmo que você não siga nada do que é imposto por pastores, rabinos ou padres. Uma senhora cristã que mora numa vila do interior, que planta, colhe, cura com suas ervas (que sempre brotam mesmo nos piores tempos devido a sua "mão boa"), aquela velha que salva uma planta conversando, que alimenta bichos selvagens como se fossem dóceis, que sabe se vai chover ao olhar para o céu e que respeita a floresta à noite, pois sabe que espíritos rondam o lugar, não é pagã só porque crê em cristo? Esse também não é um deus antigo de tribos nômades e rurais? E um rapaz que só anda de carro, só come coisas industrializadas, se diverte no aconchego do seu quarto jogando vídeo games e que fica se coçando inteiro se for em qualquer jardim é pagão só porque é membro de uma religião que cultua deuses de povos anteriores ao cristianismo? Tem alguma coisa estranha nisso.

Ao mesmo tempo me questiono: Só é pagão quem vive no campo? Ou o respeito e amor pela natureza como um todo, seja ela de barro ou de cimento, de carne ou de casca, é um fator importante? Nosso comportamento em relação ao meio em que vivemos, a percepção dos seres a nossa volta e o modo como levamos nossa vida não são importantes para definir quem somos? O gêmeo José que mora no campo deixa de ser irmão do gêmeo Antônio que mora na cidade? O Paganismo é algo assim tão banal que sirva apenas para limitar, desagregar e afastar pessoas através do "ser ou não isso ou aquilo"? Existem metas a atingir para ser mais pagão que alguém? Ou o amor pelo próprio planeta enxergando-o como um ser vivo, o respeito pelos animais (humanos incluídos) e a aceitação de existência do mundo espiritual já não são suficientes e tonam todos pagãos em igualdade?

Eu tenho que ter uma religião para ser pagão?
Eu tenho que viver no campo para ser pagão?
Eu tenho que negar as vantagens da tecnologia para ser pagão?
Eu tenho que caçar meu próprio alimento para ser pagão?
Eu tenho que conhecer e saber mexer com plantas para ser pagão?
Eu tenho que me vestir como um Hippie para ser pagão?
Eu tenho que ser politeísta para ser pagão?
Eu tenho que ser vegetariano para ser pagão?

E se eu não "tiver" uma ou outra dessas eu sou menos pagão que alguém? Eu tenho que CRER em algo ou eu tenho que SER algo? São minhas atitudes ou minhas ideologias que me tornam pagão? Podem parecer perguntas bobas, talvez sejam, mas elas tem rondado minha mente nos últimos tempos, principalmente porque tem gente que diz que para ser bruxo tem que ser pagão, quando eu defenderia que um bruxo ser pagão faz sentido, mas não exclui outras possibilidades. Vou continuar pensando...

...

- Amo e respeito minha própria natureza e toda aquela que encontro a minha volta, seja de barro ou cimento. Não se trata de um título ou uma bandeira que eu levanto, não se trata de fé, mas de algo que não pode ser retirado de mim, é minha essência, meu próprio sangue. Se eu sou pagão? Não importa, não preciso de definições para ser o que sou.




quarta-feira, 13 de abril de 2011

Bruxaria: O que você é afinal?

Peguei-me pensando nisto e lembrei que há um conflito em nosso meio sobre a bruxaria ser uma religião ou um ofício, e, quando ofício, se ela é uma religiosidade ou estritamente uma prática - que se reverte em fé não por ela mesma, mas em virtude de seus praticantes.

Eu já tive as mais extensas dúvidas quando comecei, hoje, encontrei argumentos que me satisfazem para definir a bruxaria como um ofício que atrai para si uma religiosidade. Gostaria de conversar sobre isso com quem concorda e com quem discorda, pois não vim ensinar, mas apenas falar sobre como vejo e sinto algo que pratico e amo.

A primeira coisa que pensei nos momentos de reflexão foi deveras banal, mas ao mesmo tempo muito significativo para guiar minha mente a uma visão maior do todo. Eu pensava: “bruxos fazem o que?”, “bruxarias...” era a única resposta que vinha de imediato, assim não conseguia deixar de fazer comparações: “padeiros, fazem pão”, “sapateiros fazem sapatos”, “marceneiros fazem móveis” e assim sucessivamente. É como se houvesse uma linha tênue entre todos os ofícios/trabalhos/profissões e aquilo que a bruxaria é.

Ora vejam vocês, o que a bruxa é senão uma servidora da humanidade! Ela é chamada para predizer o futuro, para curar uma doença, para dar fertilidade a um casal, para tirar ou pôr uma maldição, para abençoar um recém nascido ou um campo recém plantado, é ela quem canta para os espíritos maus e os afasta ou os atrai para a cidade, é ela quem dá o tônico para o homem cansado, que ensina a jovem a arrumar um bom marido, que cura a praga nos campos, que dá o veneno para a futura viúva rica, enfim, é a criatura que permeia a sociedade dando aquilo que ela precisa para satisfazer seus desejos - uns nobres, outros nem tanto.

As bruxas têm suas ferramentas de trabalho, seus métodos, técnicas e suas habilidades individuais. Não existe uma bruxa igual à outra. E não estou falando no sentido de “todas as pessoas são diferentes”, mas no sentido de que cada bruxa trabalha, vê e sente a bruxaria ao seu modo e este quando é compartilhado, o é somente entre iguais; irmãos de um mesmo clã, membros de uma mesma família.

É nesse contexto que vejo lógica em dizer que mesmo diferentes, no fim, todas as bruxas também são iguais. Iguais porque todas acessam uma mesma ferramenta mãe, uma mesma sabedoria que é do mundo e vive nele. Essa “interface”, fazendo uma comparação Nerd, é como um site que gera informações e recursos, nós, os bruxos, acessamos esse site com objetivos diferentes, buscamos um núcleo diferente de informações e recursos, e cada qual faz isso de um lugar diferente, com uma máquina equipada com ferramentas diferentes. Percebem a graça e a lógica da comparação? E por sinal eu poderia dizer também que nem todos conhecem o endereço do site ou sabem como chegar nele.

Em nenhum momento na história da bruxaria pré-década de 60[1], para falar da bruxa era preciso primeiro definir deuses ou cultos que elas prestassem, pelo contrário, primeiro se dizia o que a bruxa fazia, o que ela usava, o poder que ela tinha, para depois tentar entender de onde tudo isso vinha (e aqui entram as mais alucinantes explicações, dentre as quais a demonização). É ai que reside a maior diferença: bruxas não eram sacerdotisas de nenhuma religião, mas apenas mulheres que seguiam suas próprias crenças que muitas vezes sequer correspondiam às dos templos e igrejas[2].

Certa vez um amigo que havia acabado de ler as refutadas teses de Margareth Murray[3] comentou comigo: “Talvez se ela tivesse sacado que a própria bruxaria é a ‘grande mãe’ de todas as ações das bruxas ela tivesse como explicar melhor as coisas”. Isso me fez sorrir por dias. Antes de procurar uma divindade, seja de qual povo for, seja de qual religião for, a bruxa já havia feito por si mesma aquilo que precisava ser feito e quando era preciso ir além de seus domínios normalmente não era ela que prestava o culto e acessava a divindade, era o sacerdote ou um espírito familiar que ela escolhia como intercessor.

Com isso eu quero dizer que bruxas não acreditam em divindades e nem as cultuam? Não! Nada disso. O que eu estou dizendo é que para elas os deuses eram um acréscimo ao seu poder, não uma exigência. Elas não precisavam aprender a serem sacerdotisas de uma divindade ou guardar um fogo sagrado em um templo para benzer ou amaldiçoar, para transformar o mundo a sua volta. O que quer que seja a bruxaria que elas praticavam e praticam, não aprenderam isso em cursos, igrejas ou templos, mas na terra, na mata, no sangue e na própria vida.

Como exigir que uma bruxa seja aquilo que você acha que ela deve ser? Como escolher a virgem que vai oracular ou ser sacrificada entre as bruxas? Como mandá-las vestir-se de uma única cor ou forma? Como dizer onde elas podem ou não permanecer? O que elas podem ou não fazer? Bruxas são seres indomados, livres, donos de si, elas não se submetem a ninguém, algumas vezes nem a elas mesmas. São elas que decidem a hora de cada ação, não o governo ou a população local, não há uma comunidade de bruxas, mas somente bruxas e no máximo seu clã, sua família. Em que quer que elas acreditem, ou seja, as religiosidades que possuem, estas não se baseiam em conformidades sociais, mais em vivência espiritual em sua mais elevada potência.

Talvez eu pareça insano ao enxergar assim, mas dentro de mim ressoa uma certeza que me faz rir quando alguém diz que é possível definir a bruxaria completamente, dizer quem é ou não uma bruxa, estipular o certo e o errado para as suas práticas ou dar a elas qualquer organização baseada nas ambições humanas. E o melhor de tudo, uma religião, além de ser recheada dessas questões tem ainda aquele velho papel de “re-ligar”, e eu pergunto: Uma bruxa precisa se religar a que ou quem, se todas as ligações provêm do ofício que ela é mãe e senhora?

Já dizia uma amiga:

Religião é para quem tem medo do inferno; Religiosidade é para quem já esteve lá”. [4]

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[1] Toda generalização peca, não estou fora disso, mas antes da bruxaria ser taxada como uma religião e claro isto não ocorreu somente a partir da década de 60, mas antes com Leland, James Frazer e cia. o que eu quis definir ali é que a real propagação da bruxaria enquanto religião surgiu na Inglaterra encabeçada principalmente por Gerald B. Gardner e seus seguidores. Antes, bruxas eram reconhecidas por suas práticas, seus costumes, não suas crenças, estas, quando existiam vinham sempre como complemento e não como fator principal para que fossem consideradas bruxas. "O Martelo das Feiticeiras" deixa isso claro.
[2] Exceções existem e precisam sempre serem lembradas, haviam bruxas e bruxos dentro da própria Igreja, bispos, padres, freiras e etc. foram condenados por bruxaria, assim como em tempos mais longínquos sacerdotes e sacerdotisas de fés antigas também o foram, mas isto, bruxaria e sacerdócio intrínsecos nunca foi um fator de destaque antes do surgimento da Wicca.
[3] Seus livros: O Culto das Bruxas na Europa Ocidental (de 1921) e O Deus das Feiticeiras (de 1933) apesar de muito lidos e tidos como importantes para os bruxos modernos sempre sofreram represálias acadêmicas pela falta de consistência histórica.
[4] http://www.oamorcomecaaqui.com/

domingo, 10 de abril de 2011

A Fabulação na Origem das coisas.

Venho lendo há um bom tempo - tanto em livros como em sites e revistas eletrônicas - sobre a origem do universo, origem das palavras, origem da bruxaria e mais um monte de coisas nesse sentido. O que fica mais evidente é a dificuldade em encontrar origens sem se perder em ilusões que tentam nos aproximar mais daquilo que gostamos, algo como “começou do meu lado do muro e não do seu”, o problema é que muitas vezes se chega em um ponto cego, onde não é possível afirmar mais nada, então simplesmente inventam uma suposta origem sem que haja qualquer evidência dela.

Descobri que é mais fácil imaginar o futuro do que dar certezas sobre o passado, pois aquilo que parece ser imutável; muda a todo instante. Depende de quem observa, das perguntas feitas às fontes, das próprias fontes disponíveis, bem como da capacidade imaginativa do pesquisador para alcançar os pormenores nem sempre vistos nos restos do passado[1].

Além dessa dificuldade eterna, temos a inexperiência na análise. É muito comum às pessoas quando querem contar a história da origem das coisas se focarem na etimologia, ou seja, no estudo da origem das palavras. Mas quando são leigos, sem o devido preparo epistemológico (conhecimento de métodos, teorias, estruturas e abordagens) acabam por fazer verdadeiras saladas.

Vejo uma dicotomia o tempo todo; grupos distintos guerreando para definir termos e práticas cada qual a sua maneira, sempre criando um “certo e errado” duvidoso. Quando queremos descobrir a origem da bruxaria ou apenas da palavra bruxaria, uns puxam sardinha pra cá, outros pra lá e quem não pesquisa com esforço por si mesmo acaba ficando preso na rede e fedendo a peixe. Claro, eu não vou e nem quero conseguir dar estas explicações de forma conclusiva aqui, mas gostaria de dar sugestões para que pudéssemos pensar juntos e assim, quem sabe, construir um melhor embasamento teórico nesse sentido.

O primeiro passo é entender que toda palavra possui um significado intrínseco no momento de sua criação e que uma vez que essa palavra é construída com esse significado, tal coisa passa a possuir uma representação automática, um entendimento para todo observador (que chamam de significante). Ou seja, cada palavra nos remete a uma abstração, a um símbolo, a um objeto ou a uma memória específica.
Explicando em miúdos, no português o objeto no qual sentamos para almoçar é chamado de cadeira, nos EUA de chair, na Holanda de stoel e assim sucessivamente. Percebam que ambas as palavras estrangeiras significam a mesma coisa que cadeira, mas nenhuma possui qualquer semelhança com a nossa palavra (em relação com a escrita) ou uma com a outra.

O mesmo vale para bruxaria, essa é a palavra que nós brasileiros usamos para nos referir à Arte Sábia, ao Ofício dos sábios. Nos Eua eles chamam de Witchcraft, na Holanda chamam de Hekserij, na Itália de Stregoneria, todas as palavras são completamente diferentes umas das outras. Se buscarmos mais a fundo como cada palavra se formou, a mais curiosa talvez seja a americana já que é a junção de “Witch” que em sua origem significa sábio/sabedoria e “Craft” que significa trabalho/ofício, ambas vindas dos povos anglo-saxões.

E a nossa palavra? Bom, é muitíssimo difícil chegar à origem exata, portanto, darei apenas algumas possibilidades que não correspondem a nenhuma imposição de verdade. Como todos sabem, nosso país nasceu por meio dos portugueses, éramos uma colônia, em português de Portugal a palavra para descrever a Arte também é “bruxaria”, no país ao lado a Espanha o termo é bastante parecido: Brujería. Na França já muda completamente, vira Sorcellerie, o que nos faz pensar que a palavra bruxaria em si (essa forma de escrever e não o que representa) vem da região ibérica, porém especificamente da área de Portugal-Espanha-Andorra.

Ao que tudo indica originalmente o termo “bruja” ou “bruxa” era aplicado a uma espécie de inseto, uma mariposa negra, grande e de hábitos noturnos que costumava assustar bastante (ainda hoje ela possui esse nome)[2], visto que a palavra "bruxa" é uma variação de "Brouchos" termo do grego antigo que designa as larvas de borboletas. Provavelmente não é difícil compreender a associação entre mulheres untadas de óleos que saiam para dançar ao luar e que podiam amaldiçoar a população com as bruxas (mariposas), aqueles bichos medonhos que invadem as casas durante a noite e ficam voando sobre a cabeça de seus moradores. No folclore popular, quando uma mariposa negra entra em sua casa e ronda sua cabeça é por que: ou você vai adoecer ou alguém próximo a você vai morrer. Curioso não? Essas mulheres também se transformavam, também encantavam, nada melhor do que chamá-las de bruxas.

Outras concepções de análise para a origem do termo "bruxaria":

"Quanto a origem da palavra “bruxa”, Gilberto de Lascariz, bruxo português, sugere que a ela possa ter surgido devido a associação entre mulheres que praticavam a goetia e um sapo da região ibérica chamado bruca, que em castelhano se pronuncia brucha". [3]

O curioso é que em ambas as possibilidades, a palavra para designar as bruxas tem origem em animais que as simbolizam: Borboletas e Sapos. Uma belíssima coisa para se pensar não?

E de onde saiu o termo “bruxaria tradicional”? Bom, primeiro precisamos saber diferenciar uma coisa, agora não estamos mais falando de uma palavra com um significante apenas, estamos falando de duas palavras cada qual com seu significante que unidas formam algo a mais: um conceito. Então precisamos diferenciar a “origem da palavra” da “origem do conceito”.

Não importa onde a palavra tenha nascido, ou seja, tanto faz a sua origem, quando ela é utilizada incrustada a outra para agregar um valor novo, ou simplesmente quando uma única palavra tem seu significante em segundo plano para receber um novo valor mais complexo, a palavra torna-se um conceito. E a origem de um conceito costuma ser descoberta por meio de um estudo histórico-científico dos documentos escritos, para verificar quem publicou pela primeira vez aquelas palavras para aquele conceito.

Vejamos, o termo “bruxaria tradicional” é uma tradução literal de “Traditional witchcraft”, uma expressão usada, à priori, por um bruxo inglês chamado Robert Cochrane em uma publicação de novembro de 1964 chamada 'Pentagram'[4], que em meio a conflitos de popularidade com outro bruxo inglês Gerald Gardner [5], tentou diferenciar-se dele definindo que a bruxaria que ele (Cochrane) praticava era tradicional, enquanto que o que Gardner praticava não era. Assim ele cunhou também a expressão ‘Gardnerianos’ (de forma pejorativa) para descrever que esses não eram bruxos a moda antiga, tal como ele, que estes não seguiam a tradicionalidade.

O que Robert quis dizer com o conceito de bruxo tradicional que ele aplicava a si em oposição à bruxaria dos Gardnerianos (que daria origem à religião Wicca)? Que as ferramentas que ele usava, as escolas que ele seguia, os ensinamentos que ele obteve, e as praticas que ele fazia estavam de acordo com uma perenidade global e antiga que ressoava em igualdade com as práticas, ensinamentos e caminhos das bruxas anteriores ao seu tempo e que não correspondiam a criações modernas, tampouco eram superficiais em sua origem.

É deste conflito ideológico e material que vem a diferenciação entre os bruxos wiccanos e os bruxos tradicionais, cada um segue uma “escola”, uma visão, um método, uma trajetória diferente dentro da grande manifestação que podemos chamar de Arte Sábia. E quando os bruxos ingleses e depois os bruxos pelo mundo começaram a se chamar de tradicionais eles estavam querendo se vincular ao conceito proposto por Robert de um legado perene da humanidade, uma arte sem nome, uma manifestação além das definições e limitações propostas por Gardner com sua roupagem modernizada.

É por isso que há tantas nomenclaturas: bruxaria moderna, hereditária, tradicional e etc. hoje. Antes, existiam somente 'bruxos', somente 'bruxaria', mas com o nascimento de uma "religião bruxa" foi preciso diferenciar os grupos que praticavam o ofício, daqueles que agora se definiam bruxos e seguiam a Wicca.

O curioso é que aqueles que são considerados e reconhecidos como bruxos tradicionais, dão valor a isso, sabem muito bem o que o conceito significa e como ele se aplica, entendem o que é tradicionalidade. Já aqueles que querem ser chamados de bruxos tradicionais sem ser tendem a criar as mais alucinantes explicações para o conceito e colocá-lo como originário dos mais absurdos lugares. Portanto, pesquisem muito antes de engolir qualquer teoria. Deixo ao final da postagem links como referências para que possam ler sobre algumas coisas aqui citadas, como a história de Robert Cochrane e a influência dele e de Gardner para o ressurgimento da bruxaria no final do século passado.

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[1] LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão, et all. 2° Ed. Campinas: UNICAMP, 1992.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo, Vértice, 1990.
[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/Mariposa
[3] By Nion, nos comentários. Quando obtiver a referência completa eu coloco.

sábado, 9 de abril de 2011

Marginalidade como aspecto tradicional.

Há algum tempo venho lendo e ouvindo diversas pessoas falando bobagens sobre o significado do aspecto marginal das bruxas, coisa sempre lembrada por aqueles que seguem o caminho, mas deturpada por aqueles que acham que seguem. Entre essas pessoas alguns são os que gostam de falar do que não conhecem, mas outros realmente não conseguem compreender tal questão e acabam por repetir falácias a respeito, porém, sem tal intenção. A estes últimos que dedico meus comentários.

Primeiro precisamos desconstruir um senso comum, ou seja, precisamos eliminar da mente uma conceituação social que nos leva ao erro quanto ao entendimento real de uma expressão e seu significado. Trabalho hercúleo, eu sei, mas que vale a pena ser feito. Por razões culturais, principalmente ligadas a questões políticas e econômicas a "margem" de uma cidade sempre foi considerada a área mais pobre, rústica, selvagem. Com o passar do tempo o selvagem, ou o "não civilizado" tornou-se um bode expiatório para as mazelas sociais, o marginal tornou-se sinônimo de bandido.

A idéia de marginal não tem relação única com a construção do espaço geográfico de uma cidade, mas, acima de tudo, com uma ideologia onde a marginalidade - a periferia; se contrapõe a ordem social - o centro. O marginal é ‘perigoso’ porque na visão de quem constrói o ordenamento urbano ele representa o transgressor da ordem imposta, aquele que se coloca não apenas fora como contrário a ela.

Assim os sacerdotes - organismos que legitimam o poder centralizador -, se contrapõem às bruxas – organismos que transgridem as normas em prol da liberdade -, é nesse jogo de cão e gato que se cria o folclore das bruxas corcundas e más, que vivem em um chalé assombrado na mata, enquanto os sacerdotes são aqueles dotados de bondade que habitam os templos cultuando os deuses. Para os povos antigos o “mundo” que existia fora dos muros da urbes era selvagem, desconhecido, regido por monstros e pelo caos. (Leiam a epopéia de Gilgamesh para compreender isso melhor), é por esse motivo que as bruxas eram retratadas dessa maneira, seus poderes vinham desse caos, desse mundo desconhecido, seus espíritos eram os monstros que vagavam nas sombras do mundo além.

O que existe de real dentro desse imaginário popular? Porque ainda hoje as bruxas são tidas como marginais?

Há um aspecto perene na bruxaria: a arte sábia se manifesta nos espíritos indomados, naqueles que não se submetem ao julgo externo, não institucionalizam seu saber,  reconhecem a beleza na monstruosidade do caos, não domesticam sua fera interior, não limitam sua liberdade, enfim, bruxas são plenas em si mesmas e, portanto, não deixam na mão de outros o seu poder.

Isso significa que bruxas são pessoas malucas, imorais e que não respeitam as leis? Não, significa que bruxas são amorais (busquem o significado da palavra), significa que elas são tão sóbrias que se permitem a insanidade em alguns momentos, significa que elas seguem as leis que acreditam ser preciso seguir, pois, qualquer transgressão é feita conscientemente, com responsabilidade e a capacidade de assumir seus próprios atos. E por serem tão livres, por não serem ovelhas é que ao estarem na beira do círculo elas podem enxergar o que acontece dentro, saber o que acontece fora e decidir por si mesmas, de olhos bem abertos.

Bruxas vivem entre a benção e a maldição, mas sua honra, valor e amor pelo sagrado são incontestáveis, pois elas não fazem o que fazem porque outros disseram para fazer, elas escolhem cada gesto, elas assumem cada olhar, elas encantam a alma e a fazem dançar.

domingo, 3 de abril de 2011

Uma mente sã, em um mundo insano.

Eu percebi que o mundo era vivo ao olhar a morte.

Em um dia feio, nublado, poluído e chato, eu peguei um engarrafamento daqueles em que você não sabe se passa por cima do carro da frente ou torce para alguém passar por cima de você... Em uma determinada hora o transito não andou devagar, ele parou, era como se estivéssemos parados em um enorme estacionamento, enquanto alguns desligavam o carro para economizar combustível (ou só de raiva) outros enlouqueciam e buzinavam insistentemente, talvez torcendo para que as ondas sonoras irritantes das buzinas desintegrassem os carros da frente, vai entender.

Eu desisti, desliguei o carro, abri as janelas e fui olhar a paisagem como quem olha uma parede - empolgação ao quadrado -, de um lado a Baía de Guanabara, que se comparada a um valão consegue ser mais suja, do outro uma fábrica velha, abandonada, tomada por um capim alienígena de uns 5m, as paredes caindo ao sopro do vento, as janelas destruídas visivelmente por pedras muito bem arremessadas pelas crianças dali. Nunca soube era uma fábrica de que, mas lembro ter visto algo brilhando no meio do mato e sai do carro para olhar melhor, não era ouro, infelizmente, era uma calota que pelo brilho devia ou ter saído enquanto o carro estava em movimento, ou ter sido esquecida ali durante algum desmanche.

Do meu lado direito vinha um cheiro desagradável de animal morto, quando olhei era um gato, já devia estar ali a bastante tempo só sobrava a carcaça. Perto tinha bastante lixo revirado (algum cachorro a procura de um banquete?), tudo isso não mudou meu humor, nem para melhor nem para a pior, eu simplesmente andava indiferente sonhando em algum dia nessa encarnação voltar para casa. Mas o transito continuava parado, eles podiam ao menos andar alguns centímetros só para me dar esperança?

Enquanto voltava pro carro ouvi um passarinho cantar e olhei para ver o que esse infeliz estava fazendo voando por um lugar tão decadente, pássaros são abençoados, eles podem simplesmente voar pelo mundo e escolher o lugar que quiserem para viver. Este, definitivamente, era burro. Havia feito seu ninho em um buraco no meio de uma torre da fábrica, pelo negrume da parede deveria ser uma chaminé, e o passarinho estava lá não sei se falando comigo, chamando alguém ou simplesmente reclamando do barulho das buzinas. Foi ali, enquanto eu o observava que algo aconteceu comigo...

Eu ouvia ele cantar, ouvia as buzinas, as conversas, as reclamações, ouvia também o vento em queda de braço com o capim, as ondas da Baía tentando continuar seu ritmo, mesmo em meio as sujeiras e lodo. Comecei a ouvir meu coração batendo dentro da minha cabeça e de repente os cheiros do lugar se tornaram mais nítidos, haviam outros cheiros que eu não havia percebido, uma mangueira velha e descascada, mas ainda cheia de vida amadurava suas frutas que serviam de alimento para pássarinhos e morcegos, na margem da Baía havia uma velha de cócoras quebrando alguma coisa, acho que conchas e o cheiro salgado do mar inundava aquele ambiente, também senti o cheiro de um biscoito de queijo que algumas crianças comiam fazendo festa no carro ao lado do meu.

Tudo isso aconteceu tão rápido que eu precisei me mover, esticar o rosto, afinal podia estar tendo algum acesso devido ao stress daquele ambiente. Era melhor que não tivesse feito isso, eu senti o vento frio que vinha do mar, o calor que vinha dos carros e uma brisa que vinha do meio dos matos voando a minha volta. Me peguei pensando em como seria aquele lugar no passado, quando a fábrica funcionava, aquela terra não havia sido abduzida pelo capim e a colônia de pescadores ficava abarrotada de peixes saudáveis, vindos de um mar azul.

Quando ninguém jogava lixo ali, aquele gato estava vivo passeando pelo lugar e dando sustos por sair correndo de onde menos se esperava, quando aquela rua era de barro e não haviam carros engarrafados buzinando e azucrinando os moradores a volta. Talvez as pessoas atravessassem de cavalos, com aqueles garotos apostando corridas e se divertindo tanto que esqueciam de verificar quem ganhou. Um lugar em que um passarinho pudesse morar com sua família sem ser taxado de maluco... é talvez aquele pássaro conhecesse a história do lugar, talvez em sua mente ele pudesse interpretar todos esses cheiros e sons, todas essas cores e histórias como algo bom, talvez o lugar já estava tão destruído que não houvessem mais predadores/destruidores por ali e enfim aquele lugar tenha se tornado pacífico pra ele.

As flores que saíam do meio dos escombros, que nasciam de frestas nas paredes sujas estavam mostrando exatamente isso, que ainda haviam razões para chamar aquele lugar de lar e que não importava como ele estava, ele ainda podia ser o que já foi um dia... Quando entrei no carro e comecei a andar a passos de tartaruga olhei para trás e agora o pássaro já não cantava mais, pode finalmente descansar sem saber que ele havia me ensinado algo muito importante:

Há vida em tudo, há beleza em tudo, tudo tem sua história, sua memória e seu valor, basta que tenhamos olhos para ver além de nossas ilusões cotidianas.

sábado, 2 de abril de 2011

Um lado que transforma o todo.

Hoje assisti o filme Cisne Negro, ótimo filme. Achei interessante como o Cisne Negro foi se manifestando e tornando o Cisne Branco aquilo que ele desejava ser: Perfeito.

Isso me lembrou aquelas longas querelas universitárias em que de um lado há aqueles que defendem a perfeição quando não há imperfeições e aqueles que defendem que uma coisa só pode ser perfeita se possuir o todo dentro de si, inclusive a imperfeição.

O Cisne Negro tem tudo a ver com a bruxa, aquele ser que domina, que surge sem ser chamado, que transforma, que encanta, que ilude e ao mesmo tempo mostra a verdade e que no fim, te leva a finais surpreendentes com sua própria essência. Assistam!

Poema: Uma Mulher Desconhecida.

Eu sou a fera selvagem que cavalga no crepúsculo, a portadora da coroa de espinhos;
De doce aroma, de negros olhos;
Eu sou a peste que destrói nações e o milagre que regenera o mundo.

Eu sou a coruja que de tudo sabe e águia que a tudo vê;
Sou o lobo que protege o rebanho em troca do sacrifício de uns novilhos;
Sou a mão que amacia a carne que outrora feri.

Sou a velha pútrida que leva as almas ao abismo;
Onde no desespero e desgraça;
Eles encontram a essência de seu heroísmo.


Bebem meu sangue, comem minha carne;
Destroem meu ventre, dilaceram meu coração;
Da maldição que lhes lanço, encontram a benção.

Eu sou a bela dama prateada, que ilumina a escuridão;
Sou aquela que mostra o caminho entre os caminhos;
Aquele tão íngreme que leva à iluminação.



(Agatho Vanth)